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Após fraude, BC vasculha carteiras de bancos


Data: 12 de novembro de 2010
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O Banco Central caiu em cima de pelo menos seis bancos pequenos para averiguar como eles contabilizam as carteiras vendidas a outras instituições, após descobrir fraude no PanAmericano.
O objetivo é detectar uma eventual disseminação de prática contábil fraudulenta nesses bancos na hora de registrar carteiras cedidas.
O "pente fino" se iniciou no último dia 29, antes do feriado de Finados, quando o BC se preparava para falar sobre o assunto.
A fiscalização do BC enviou comunicado a instituições que também adquiriram carteiras de crédito, pedindo explicações detalhadas sobre as operações. O pedido exigiu trabalho dobrado das áreas técnicas para enviar as informações com urgência.
Segundo a Folha apurou, os questionamentos ocorreram quase dois meses após o BC ter detectado as irregularidades no PanAmericano.

FALHA DO BC
O caso mostra que o BC continua sendo surpreendido por balanços inflados mesmo 15 anos após a fraude de registros de créditos fictícios no Banco Nacional.
A venda de carteiras foi incentivada pelo próprio BC na crise de 2008, como alternativa de captação de recursos dos bancos menores.
Na época, os técnicos do BC defendiam que, apesar de ter sistemas de monitoramento para empréstimos acima de R$ 5.000, era preciso aumentar a fiscalização para detectar possíveis fraudes.
Alguns desses bancos fizeram acordos anuais com grandes bancos para fornecimento de lotes de carteiras de crédito, tornando-se máquinas geradoras e vendedoras de empréstimos, especialmente de consignado.
O interesse dos bancos compradores de crédito é elevar a rentabilidade de seu excesso de caixa em operações com taxas acima do CDI e da dos títulos públicos.
Para analistas, o modelo de cessão de crédito pode ter alimentado imprudência -e fraude- no PanAmericano.
O banco vendeu carteiras de crédito de veículos e de consignado para Bradesco e Itaú, entre outros. Esses bancos alegam não ter como saber a forma como o PanAmericano registrava as carteiras, evento posterior à cessão de crédito. No caso, a maior preocupação é com a qualidade de crédito adquirido.
O PanAmericano se destacava entre as pequenas instituições pela forma agressiva com que ganhava mercado. Vendia os créditos já concedidos e reforçava o caixa para novas operações.

PEQUENOS
CONCORRÊNCIA DIZ QUE ROMBO É CASO ISOLADO

Os demais bancos pequenos dizem que a fraude no PanAmericano foi comandada por criminosos especializados em "contornar os controles". "O mercado tende a se acalmar e sai mais sólido. Se tinha uma banco com problemas e práticas inconsistentes, agora não tem mais", afirma Renato Oliva, presidente da ABBC (associação dos bancos pequenos).

PanAmericano diz que não paga bônus a diretores

O banco PanAmericano é o único entre as instituições financeiras de perfis semelhantes que declara não pagar bônus a seus diretores.
Em documento enviado à CVM, o banco afirma que 85,7% da remuneração é fixa, composta de salário ou pró-labore mensal, e que 14,3% correspondem a benefícios como previdência privada e assistência médica.
O banco afirma ainda que, em 2009, seus sete diretores-executivos receberam, no total, R$ 4,5 milhões. A remuneração individual mais alta teria sido de R$ 960 mil.
Para especialistas, essa política diverge do padrão de mercado, especialmente no setor financeiro, conhecido por pagar bônus milionários pelo desempenho anual.
Procurado pela Folha para esclarecer a inexistência do pacote de bônus -ou da remuneração variável-, o banco informou, por meio da assessoria de imprensa, que não comentaria o assunto.

Banco recebeu nota máxima de agências de risco

O investidor que se deparasse com o relatório da administração do PanAmericano de junho deste ano não teria dúvida: comprar ações do banco seria um ótimo investimento, com pequena possibilidade de perda.
Cinco agências de classificação de risco, incluindo as internacionais Moody\'s e Fitch, deram nota máxima para o banco, apontando-o como "investment grade" (grau de investimento), espécie de selo de segurança para o comprador de seus papéis.
A brasileira Riskbank, por exemplo, denominou o banco PanAmericano como "baixo risco para curto prazo".
Cinco meses depois, a instituição financeira quebrou e suas ações caíram cerca de 50% nas últimas semanas.
A classificação de risco de crédito mede a saúde da empresa, como a lucratividade, o nível do endividamento e, no caso de instituições financeiras, a qualidade dos devedores do banco.

ANÁLISE

Operação de socorro mostra lições a serem incorporadas


CARLOS THADEU DE
FREITAS GOMES
ESPECIAL PARA A FOLHA

A operação para dar liquidez ao Banco PanAmericano foi uma resposta rápida e necessária para que os outros bancos de mesmo porte não tivessem de pagar prêmios de risco maiores em suas captações, ou mesmo sofrerem eventuais saques repentinos de seus depósitos.
O fato de a iniciativa não envolver recursos de cunho fiscal ou monetário mostra que é possível evitar propagação nociva e desnecessária para o restante da economia.
Contudo, fica a lição para que se aperfeiçoem as regras do Banco Central, quando da venda de carteiras de crédito de instituições financeiras.
É importante que cada passo do processo de compra e venda de ativos creditícios seja acompanhado de maneira pontual para que um fenômeno idêntico não ocorra facilmente.
As operações de compra de carteiras de crédito, apesar de comuns, envolvem complexidades que englobam, principalmente, a difícil avaliação dos preços dos títulos envolvidos.
A ausência de mercados secundários (em que os títulos possam ser comprados ou vendidos, na Bolsa ou em mercados de balcão) para esses ativos demanda, por parte dos compradores e vendedores, análises de crédito nem sempre ajustadas aos valores esperados.
A crise financeira internacional está fazendo com que quase todas as autoridades monetárias reavaliem as normas vigentes, adequando-as às novas realidades, de maior demanda por capitalização pelas instituições financeiras, em especial devido às dificuldades de medir os riscos embutidos.
Uma das introduções mais importantes no Acordo de Basileia é o conceito de risco operacional, cuja difícil avaliação requer que as dosagens de capital e as medidas preventivas sejam constantemente atualizadas.
Concluindo, além da fiscalização pontual das operações de troca de carteiras entre as instituições financeiras, para evitar a não contabilização simultânea de tais trocas, é necessário também reavaliar o volume de capital necessário para minimizar os riscos de avaliações errôneas dos títulos em questão.

CARLOS THADEU DE FREITAS GOMES é economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo e ex-diretor do Banco Central.

BC diz que não pode responder por balanços

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, afirmou que o governo não pode se responsabilizar pelas informações prestadas pelos bancos em seus balanços, o que é responsabilidade de controladores e auditores.
Segundo ele, um órgão regulador não pode assumir a responsabilidade pelos números divulgados por instituições privadas. Isso obrigaria o governo a arcar com perdas por fraudes, como a descoberta no PanAmericano.
"O governo não pode dar garantia. O BC cumpre o seu papel de supervisão. Os depositantes e investidores têm de estar conscientes de que eles têm de fazer o seu trabalho. O BC não pode substituir o auditor", afirmou.
Apesar de o BC só ter descoberto recentemente um problema que pode ter começado há quatro anos, Meirelles disse que a instituição agiu a tempo.
"É muito raro uma situação na qual o Banco Central determina um problema a tempo, de maneira que possa ser resolvido dentro dos parâmetros fixados pela lei e das possibilidades do FGC (Fundo Garantidor de Crédito)."
Segundo ele, o rombo de R$ 2,5 bilhões no banco foi coberto sem o uso de "um centavo público", sem perdas para a Caixa Econômica Federal (sócia do banco) e para depositantes, em sua maioria bancos e fundos de investimento e de pensão.
Ontem, o BC informou que uma parte do rombo na contabilidade do banco envolve operações com cartões de crédito, no valor de R$ 400 milhões.
Os outros R$ 2,1 bilhões se referem a operações de crédito do banco. Em ambos os casos, o PanAmericano vendeu esses créditos para outras instituições, mas continuou contabilizando os valores nos seus balanços.
A instituição informou também que comunicou ao Ministério Público Federal que foram detectados indícios de crime no PanAmericano, entretanto, afirmou que não poderia dar detalhes por questões de sigilo.

Silvio procurou ajuda de Lula, diz membro do FGC

Após participar de 15 reuniões com o Fundo Garantidor de Crédito (FGC) para negociar uma saída para o PanAmericano, o empresário Silvio Santos disse ter uma única preocupação em mente: manter a imagem de credibilidade com o seu público.
O relato foi feito à Folha por um dos integrantes dessa reuniões que manteve contato com o apresentador e dono do Grupo Silvio Santos.
Em uma dessas reuniões, o empresário afirmou que procurou o presidente Lula, antes do segundo turno eleitoral, no dia 31 de outubro, para buscar ajuda.
Ao empresário Lula teria dito que ele deveria procurar os "canais competentes", citando o ministro Guido Mantega (Fazenda) e o presidente do BC, Henrique Meirelles.
Antes de seguir para Seul, onde ocorre a reunião do G20, Lula afirmou que não tratou do assunto, quando Silvio foi a Brasília pedir doação para o Teleton. (CR)

Folha de S.Paulo

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